A ordem agora é desumanizar

Há uma ideia muito presente na internet, a qual diz que “o mundo não será mais o mesmo depois dessa pandemia”. Não é de surpreender que alguém pense assim, mas é preocupante a quantidade de matérias sobre o tema e a rapidez com que as pessoas tomam isso como uma fatalidade inquestionável. Mas será que isso é verdade mesmo?

As tragédias não são nenhuma novidade no mundo. Epidemias, tsunamis, terremotos, crises econômicas e ataques terroristas sempre aconteceram. E o mundo não tem se modificado especialmente por causa disso. Para entender melhor essa pressa em decretar um “novo mundo após a Covid-19”, talvez devamos analisar as características desta crise e imaginar quem possa tirar alguma vantagem com esse tal “novo mundo”.

O que caracteriza essa pandemia é o medo, o confinamento, o distanciamento, as máscaras e, claro, muitas incertezas. Afinal, estamos sendo “atacados” por um inimigo invisível e não sabemos quem está contaminado ou não. E o que todas essas características têm em comum é afastar as pessoas e desumanizar as relações. Assim como as máscaras escondem atributos tão humanos como sorrisos e expressões faciais, o distanciamento também não pode ser efetivamente superado pela frieza da tecnologia. É como se nós, humanos, seres sociais por natureza, deixássemos de sê-lo.

Ainda que essas medidas sejam necessárias por algum tempo, é importante lembrar que não existe na natureza epidemia que dure para sempre. Toda epidemia como essa dura alguns poucos meses, depois do que ela naturalmente desaparece, muito tempo antes de surgir qualquer tipo de vacina. O vírus pode ainda existir, mas jamais provocará doença em um nível epidêmico. É nesse momento que a vida volta ao normal: quando adquirimos a imunidade e recuperamos nossa humanidade.

Mas há quem lucre mantendo esse pânico. Existe toda uma indústria de tecnologia, educação a distância e gigantes do comércio online que se beneficiam com as pessoas ficando em casa. Dentro da medicina, há um lobby enorme para a implantação do que se chama “telemedicina”. Isso inclui desde os gigantes da informação com seus algoritmos “inteligentes”, até provedores de internet, fabricantes de equipamentos e fornecedores de softwares ou aplicativos para que médicos façam atendimento a distância. A tecnologia pode estar sendo útil agora, mas não há justificativa para as coisas não voltarem gradualmente ao normal, pois o ser humano, doente ou não, necessita do contato físico com os outros.

Não devemos aceitar como inevitável este “novo mundo pós-Covid-19”. Pelo contrário, devemos tentar recuperar, de maneira segura e gradual, o mundo em que vivíamos antes da pandemia, com abraços, reuniões de amigos e tudo o que nos fazia humanos. Por certo que algumas coisas podem ser melhoradas, como um consumo mais consciente ou a necessidade de mais solidariedade, mas isso só depende de nós e jamais melhoraria com o tal “novo mundo” que nos querem impor. A única epidemia capaz de destruir a humanidade é a epidemia de desumanização atualmente em curso e, contra ela, a única vacina é o pensamento crítico. Além disso, se nosso mundo é imperfeito, é apenas porque somos perfeitamente humanos.