As sete mortes de Marina Abramovic

Marina Abramovic é um dos nomes mais importantes da arte performática no mundo. Para nossa felicidade, sua mais recente obra está em cartaz na atual Bienal do Mercosul (Sete mortes ou Seven deaths of Maria Callas) e é um deleite para quem gosta de arte, performance, boa música e, principalmente, para quem gosta de refletir sobre a questão da vida e da finitude humana.

A questão da morte não é exatamente uma novidade para esta artista que, já na década de 1970, flertava com a morte em impressionantes performances com seu parceiro Ulay. A obra atual é dividida em sete partes e traz vinhetas sobre várias mortes diferentes, sempre acompanhadas pela maravilhosa voz de Maria Callas e encenadas pela própria Marina e pelo excelente Willem Dafoe.

Em um dos episódios a morte surge após a queda de alguém que pula do alto de um prédio. Mais que um suicídio qualquer, Marina reflete sobre a vida ao sugerir que não haveria nenhum risco em cair. Para Marina, o perigo existiria apenas “no momento em que aterrissamos”. A queda – que poderia aqui ser entendida como a própria vida – não deveria ser temida, pois é durante este voo de queda que podemos sentir e amar mais intensamente. É impossível não traçar aqui um paralelo com a própria vida e a necessidade de vivermos uma vida plena e de aceitarmos – e até quem sabe procurarmos – certos riscos que fazem a vida valer a pena. É também impossível não ver aqui uma sintonia com as ideias de meu próprio livro sobre o tema (O risco de cair é voar).

A linda vinheta em que Marina (em trajes de toureiro) e Dafoe (vestido de assassino ou a própria morte) lutam ao som da Carmem de Bizet começa com uma narrativa em que Marina fala de não se deixar dominar ou – quem sabe – de tomar as rédeas da própria morte. Esta última ideia parece ser reforçada pelo olhar com que Marina encara Dafoe e pelo final da cena, quando não fica claro qual dos dois personagens foi responsável por desferir o golpe fatal com a adaga. A morte acaba “vencendo” sempre, mas às vezes é possível um certo protagonismo até mesmo nessa hora.

A vinheta final em que Marina e Dafoe caminham em direção à morte – representada aqui pelo fogo de uma pira ardente – é belíssima com Marina em trajes masculinos e Dafoe usando um maravilhoso figurino feminino e brilhante. A narrativa lembra que o calor vai ficando mais intenso à medida que nos aproximamos da pira ardente. Também é assim a nossa vida, a qual deveria ficar mais intensa à medida que nos aproximamos do fim. É neste momento, segundo Marina, que percebemos que não estamos sozinhos. É o momento em que nos damos conta de que caminhamos todos para o mesmo fogo e de que fazemos parte de algo muito maior. É exatamente este o momento em que nos percebemos humanos.