A vaca seca de Mark Twain

A ciência é cheia de mistérios e descobertas, mas suas verdades costumam ser transitórias. Apesar disso, à medida que novas descobertas são feitas, verdades anteriores são abandonadas enquanto as novas são alardeadas como se estas fossem também definitivas. É por isso que necessitamos de alguma parcimônia para mudar hábitos de vida com base em manchetes da mídia, principalmente se os hábitos antigos eram considerados saudáveis e prazerosos. Mark Twain, com sua ironia aguçada, dizia que abandonar todos os prazeres da vida em nome de um eventual acréscimo de saúde ou longevidade era como gastar todo seu dinheiro até o último centavo na compra de uma vaca que já não dá mais leite. E ele pode estar certíssimo.

Quem tentar acompanhar as últimas tendências das manchetes de saúde vai ficar sem saber o que fazer. A cada poucos anos o ovo passa de vilão a superalimento. O álcool também passa de substância nefasta a fator de proteção cardiovascular de tempos em tempos. O mesmo acontece com o glúten, o leite ou a carne, apenas para citar alguns. Talvez não se deva dar tanta importância a essas notícias, afinal elas parecem se referir a extremos de comportamento ou a casos raros de pessoas com real sensibilidade a um determinado alimento. Pelo menos no que tange à comida de verdade, e não aos modernos alimentos ultraprocessados, a média das pessoas é pouco influenciada por mudanças em hábitos moderados. Assim, é improvável que o hábito de comer ovos ou de tomar uma taça de vinho no jantar seja prejudicial à grande maioria das pessoas, principalmente se elas fizerem isso por prazer e não apenas para seguir uma prescrição médica.

Quem gosta de história deve lembrar que, pelo menos até o século XIX, o álcool era usado não apenas como fonte de prazer para médicos e pacientes, mas também como prescrição médica no tratamento de doenças tão variadas como tifo, reumatismo e pneumonia. Além disso, coisas como pães, ovos, carnes e leite formam a base da alimentação da humanidade há tanto tempo que seria inusitado imaginar que estivéssemos todo esse tempo nos envenenando ao consumir todos eles. Sempre será possível encontrar algum tipo de associação tênue e duvidosa entre um alimento específico e alguma doença, mas a verdadeira associação talvez esteja nos extremos de consumo e não em seu consumo moderado. Afinal, como dizia um médico de humor ácido: “Tudo indica que as pessoas que comem, morrem!”

Assim, talvez a melhor receita para saúde e longevidade seja a moderação no comer e beber, dando preferência àquelas coisas que, além de nutrir, propiciem algum tipo de prazer. É absolutamente improvável que ingerir coisas que detestamos nos faça algum bem. Também é pouco provável que comer o seu prato preferido de vez em quando ou tomar uma taça de vinho no jantar com seu companheiro cause qualquer problema grave à sua saúde. Pelo contrário, a combinação de moderação e prazer pode ser uma excelente receita de saúde e longevidade. Aliás, esses pequenos prazeres talvez sejam o melhor remédio para as pequenas agruras cotidianas. É verdade que todo prazer pode representar algum risco, mas pode-se também questionar se uma vida totalmente desprovida de prazeres e riscos deva ser o nosso objetivo pessoal. Ainda que os comportamentos extremos possam ser realmente prejudiciais, a verdade é que uma vida desprovida de todos os prazeres pode ser tão frustrante como a vaquinha seca de Mark Twain.