Aqueles que nasciam velhos

Aquele velho parecia realmente muito velho, e seu aspecto era o de quem já tinha vivido muito e visto todo tipo de coisa. E ele contava as histórias mais estranhas e curiosas, e era isso que deixava absolutamente fascinados todos aqueles jovens que formavam um círculo à sua volta para ouvi-lo falar. Era um velho magro, com barba e cabelos brancos e a pele lindamente enrugada e dourada pelo sol. Carregava uma bengala de madeira que servia como apoio, mas também a usava para gesticular. Enquanto falava, o velho agitava a bengala no ar e, volta e meia, a apontava para algum dos curiosos ouvintes como quem esperasse algum tipo de resposta.

Naquele dia o velho contava uma história muito interessante sobre uma época em que os homens – sempre tão apegados a suas tecnologias e tão dispostos a dominar a natureza – finalmente conseguiram desenvolver uma maneira de dominar o tempo. Naquele instante, sentindo-se como que “os senhores do tempo”, os homens decidiram que iriam inverter a seta do tempo, fazendo com que o futuro virasse passado, e o antigo passado fosse o novo futuro. Segundo o parecer dos especialistas, era evidente que essa inversão do tempo só poderia significar coisa boa. As pessoas rejuvenesceriam, e este é um dos grandes sonhos da humanidade desde os tempos mais remotos. Os homens do dinheiro por trás desses cientistas só pensavam em como as pessoas mais jovens poderiam trabalhar e consumir ainda mais, e isso era tudo o que mais interessava aos homens do dinheiro. Ninguém questionou os possíveis desdobramentos desagradáveis de uma mudança tão radical e dessa nova forma de vida que surgia. Mas logo todos seriam testemunhas dos resultados dessas transformações e poderiam julgar por si mesmos.

Os jovens à volta do velho acompanhavam com os olhos arregalados enquanto o velho contava que, no início, era tudo uma festa. Os velhos do mundo todo começavam a remoçar e isto parecia ótimo. Os adultos, que sempre estiveram aterrorizados pela ideia de envelhecer e perder os dentes, também acharam maravilhoso poder evitar o que para eles representava um mal terrível. As crianças já não tiveram tanta sorte. Meninos e meninas que mal começavam a desabrochar para a vida passaram a regredir dia após dia. Em pouco tempo, esqueciam o que já tinham aprendido e deixavam até mesmo de falar e de caminhar. Mais um pouco e já não comiam, tendo que ser alimentados por suas mães. Seus corpinhos delicados iam diminuindo de tamanho até que davam um último choro e paravam de respirar. Tudo muito triste. Aquilo que parecia uma epidemia, logo fez com que a humanidade desenvolvesse mecanismos para lidar com esta nova mortalidade infantil. Como a humanidade não conseguia encarar essa triste realidade de ter que enterrar seus bebês, os profissionais de saúde desenvolveram as mais variadas técnicas para conseguir fazer com que os bebês voltassem para o ventre de suas mães, onde, depois de um período variável de tempo, acabavam sendo reabsorvidos e esquecidos.

No outro extremo da vida, a realidade não era menos bizarra. Da terra começavam a brotar velhos como se tivessem sido plantados há algum tempo por alguém. Mais uma vez a humanidade teve que criar rituais, agora para retirar os velhos da terra e fazê-los respirar sozinhos. Esses velhos recém-saídos da terra arrumavam alguém que os limpasse e cuidasse – geralmente os próprios filhos adultos e fortes –, já que invariavelmente estavam muito doentes e fracos para se cuidarem sozinhos. Depois de alguns anos de muita dedicação, os velhos estavam mais remoçados e já conseguiam viver de forma independente.

Segundo o velho da bengala, este era o período em que pais e filhos podiam conviver e conversar sobre esses mistérios da vida. Era a época em que muita coisa importante podia ser dita e decidida. Mas essa fase durava apenas umas poucas décadas, depois do que era hora de os próprios filhos definharem lentamente até voltarem ao ventre seguro de suas mães. Era muito triste para os velhos verem seus filhos – outrora adultos fortes e independentes – agora virarem bebês e deixarem aos poucos de fazer tudo o que faziam. A sorte é que, segundo o velho da bengala, aqueles primeiros velhos que remoçaram e viraram adultos eram um pouco diferentes dos adultos que conhecemos hoje. Nessa nova ordem das coisas, era como se tivessem alguma memória de vidas passadas e soubessem que eles mesmos já tinham passado por tudo isso. É por isso que, depois de algumas poucas gerações e de uma quantidade inimaginável de lágrimas derramadas, a humanidade viu que tinha feito algo terrível e tornou a inverter a seta do tempo, fazendo com que tudo voltasse ao que hoje chamamos de “normal”.

Tentar controlar a natureza é sempre algo perigoso. Descuidar de quem amamos, também. Segundo aquele velho que gesticulava enlouquecido com a bengala em punho, é muito mais sensato nos adaptarmos à natureza e tentarmos fazer o melhor possível para nós, para as pessoas amadas ou para toda a humanidade. O certo é que aquela turma de jovens que tinha escutado a história toda com um misto de descrença e pavor, nunca mais foi a mesma. O simples fato de terem pensado pela primeira vez em como seriam as coisas se ocorressem de trás para frente já tinha mudado para sempre a maneira de encarar a velhice e a própria vida. Dizem que, depois disso, os velhos passaram a ser muito mais bem tratados. Só aquele velho sábio da bengala nunca mais foi visto.