A arte de criar doenças

Existem muitas maneiras de criar doenças ou de aumentar a quantidade de doenças na sociedade e a proporção de doentes na população. Conhecer algumas dessas maneiras poderia nos levar a evitá-las sempre que possível, caso a nossa intenção seja realmente a de reduzir a carga de doenças na população. Assim, 12 maneiras infalíveis de aumentar a carga de doenças na sociedade são aqui sucintamente descritas. Talvez você fique surpreso ao perceber que todas essas maneiras de criar doenças são praticadas em maior ou menor grau diariamente na sociedade e que muitas delas são até mesmo defendidas pela medicina, apesar de seu potencial para aumentar a carga de doenças da população geral independente de seus efeitos em nível individual. Enfim, elas podem ser interpretadas como “Os 12 mandamentos para a doença eterna” ou como “Os 12 passos para nunca sair do lugar”. Você escolhe!

  1. Infle as doenças: O chamado disease mongering – a ampliação descabida dos limites de critérios diagnósticos para as mais variadas doenças – é uma das maneiras mais utilizadas e eficazes para transformar pessoas sadias em “doentes” num passe de mágica. Pode-se fazer isso facilmente ao reduzir os limites “normais” da glicose, do colesterol ou da pressão arterial, mas também ao se ampliar os critérios diagnósticos de problemas como depressão e outros transtornos mentais. De uma hora para outra, milhões de pessoas passam a ser “doentes”.
  2. Esqueça as causas básicas: Para quem deseja manter uma população eternamente doente, é fundamental jamais tratar as causas básicas das doenças, como os maus hábitos de vida ou a contaminação do ar e dos alimentos por substâncias tóxicas variadas. Além disso, em vez de fazer as pessoas se exercitarem mais ou comerem de forma mais saudável, é muito mais interessante mantê-las sentadas em frente à TV, engordando à base de porcarias ultraprocessadas e tomando remédios para diabetes, colesterol e pressão alta pela vida toda. Isso perpetuará a doença não apenas naquela pessoa, mas em toda sua família, a qual vive sob as mesmas condições e tenderá a repetir os mesmos comportamentos prejudiciais por várias gerações.
  3. Crie meses coloridos: Crie um verdadeiro arco-íris de meses de “conscientizações” (o famoso marketing de doenças) para as mais variadas doenças, independente de serem raras ou de não causarem qualquer dano às pessoas mesmo quando presentes. O importante é que cada doença tenha o seu mês e a sua cor bem definidos para que os profissionais de publicidade e propaganda possam fazer o seu trabalho de assustar a população. Assim, todo ano se repetirá o ritual da preocupação transmitida pela mídia, o que deverá garantir que os consultórios estejam sempre abarrotados de gente sã e preocupada. Essas pessoas são exatamente iguais às pessoas doentes, só que sem a doença. O que importa é que elas façam todo o resto: realizem exames, tomem remédios e consultem vários médicos.
  4. Rastreie tudo: Estimule os profissionais de saúde a realizar o rastreamento de todas as doenças possíveis, mesmo quando os estudos não demonstrem benefícios para a população geral ou quando a doença encontrada não tenha nenhum tratamento conhecido. Câncer, depressão, Alzheimer, hipertensão, etc. Tudo é passível de um bom rastreamento! É claro que ao exagerarmos na dose dos rastreamentos descobriremos muitos probleminhas que não teriam qualquer importância clínica, mas eles também acabam aumentando bastante a carga de doença na população.
  5. Antecipe as desgraças: O diagnóstico precoce tem o poder de antecipar muitos males. No caso das mais variadas “pré-doenças”, muitas vezes apenas aumentamos a duração da doença da pessoa ao anteciparmos a data de seu início formal. Na maioria das vezes os resultados seriam os mesmos se deixássemos para realizar o diagnóstico apenas bem mais tarde. Além disso, ao anteciparmos os infortúnios, temos a certeza de diagnosticar muitas pessoas que jamais adoeceriam nem seriam diagnosticadas se fossem deixadas quietas.
  6. Deixe a indústria trabalhar: Outra forma infalível de não evoluir de verdade no combate às doenças é deixar que a indústria farmacêutica realize as investigações de seus próprios remédios e determine a melhor forma de combatermos as doenças. Esqueça os acadêmicos honestos e os pesquisadores independentes. A “ciência” criada pela indústria é bastante problemática, mas é bem mais comum do que você imagina e a medicina parece se importar muito pouco com isso. Deixar a própria indústria definir quais remédios funcionam garante que a população passe a vida toda engolindo comprimidos frequentemente inúteis e, algumas vezes, até mesmo perigosos.
  7. Desequilibre o sistema: Outra maneira excelente de aumentar a carga de doenças na população é sempre obedecer à famosa Lei dos Cuidados Inversos: mais cuidados para quem menos precisa e vice-versa! Assim, garanta uma assistência médica caríssima, fútil e nitidamente exagerada para os ricos e certifique-se de que os mais pobres e doentes tenham que esperar anos por uma cirurgia simples ou fiquem sem acesso a medicamentos básicos. Isso turbinará igualmente a quantidade de doenças entre ricos e pobres.
  8. Escolha bem as pessoas: A história recente comprovou mais uma vez que a escolha de pessoas inexperientes e incapazes para chefiar um ministério ou qualquer outro órgão relacionado à saúde pode ter um efeito devastador sobre a saúde da população. Esqueça os médicos de carreira honestos e com experiência em saúde pública. É sempre melhor que esses cargos de chefia na saúde sejam ocupados por amigos de confiança, políticos e outros inúteis em geral.
  9. Desmantele a educação: Todo ser pensante sabe que a boa formação dos profissionais médicos é fundamental para oferecer serviços de qualidade à população. Assim, desmantele as boas e renomadas faculdades públicas e crie faculdades de medicina privadas em cada rincão afastado da civilização, principalmente aquelas cujo único intuito é o de ganhar dinheiro com mensalidades escorchantes. Esta é a garantia de que a qualidade dos médicos será cada vez mais baixa e a quantidade de doenças na população seguirá nas alturas.
  10. Descontextualize sempre: É evidente que as pessoas mais pobres ou que levam uma vida mais difícil têm muito mais doenças que os poucos sortudos e abastados da sociedade. Porém não devemos jamais abordar esses “determinantes sociais da saúde”. Nada disso! Trate sempre uma pessoa triste e infeliz com a vida que leva como se fosse mais um caso de depressão causado por algum suposto desequilíbrio de neurotransmissores. Jamais dê a entender que o verdadeiro desequilíbrio é de riqueza e de oportunidades.
  11. Medicalize tudo e todos: Aja como se todos os problemas da sociedade fossem problemas “médicos” e trate-os sempre com medicamentos. Se alguém não consegue emagrecer porque trabalha demais e não tem tempo nem dinheiro para se exercitar e comprar alimentos saudáveis, prescreva as caríssimas “canetas emagrecedoras”, aumente o problema e garanta que pelo menos a indústria farmacêutica fique contente. E se uma pessoa não dorme porque trabalha demais, ganha pouco ou sofre algum outro tipo de abuso, trate como mais um caso de insônia clínica. Capriche na dose dos medicamentos mesmo que isso em longo prazo apenas piore a situação das pessoas ao não permitir que a causa básica de seus problemas seja abordada e revertida.
  12. Jamais fale nada disso: Isso é absolutamente fundamental! Evite falar sobre essas questões com as pessoas e geral e, principalmente, com outros profissionais da saúde. Aja como se estivesse tudo às mil maravilhas e com vistas a melhorar ainda mais. Isso garante que outros profissionais também fiquem quietos e não apontem os problemas a serem corrigidos no sistema e, ainda mais importante, acaba desnorteando a população, a qual passa a imaginar que “estar doente é o novo normal!”.

É claro que a imensa maioria dos médicos não age deliberadamente para aumentar a carga de doenças na população, mas este pode ser um “efeito colateral” da forma como exercemos a medicina atualmente. Também é evidente que esta lista apresentada aqui é incompleta e que existem inúmeras outras maneiras de aumentar a carga de doença na população, pois as pessoas e empresas que lucram com essa maior quantidade de doenças são muito criativas e poderosas. Assim, elas acabam dando um jeito de manter essa barbárie atual onde grande parte da população se sente ou está de fato adoecida. Afinal, pessoas “doentes” são mais fáceis de controlar, tendem a ficar quietas em seu processo de adoecer e não costumam demonstrar a sua insatisfação nem partir em busca de mudanças radicais na forma de lidar com a saúde.