Um recente artigo do CEO de uma empresa de “Medicina de Precisão” me deixou tão impressionado que resolvi fazer um breve resumo comentado e deixar o link nos comentários para quem tiver estômago forte e quiser tirar suas próprias conclusões. Sempre me interesso em tentar entender de que maneira a tal “Medicina de Precisão” pretende lidar com coisas infinitamente inexatas como a natureza e o sofrimento humanos. O artigo trata do projeto de megaempresas para transformar os rumos da medicina e dos cuidados de saúde. Logo no início, o autor já deixa claro a ideia principal: “No futuro não haverá pacientes, apenas clientes ou consumidores que não querem ficar doentes”.
A ideia é mais ou menos assim: as pessoas terão seu sangue e outros líquidos corporais coletados periodicamente para manter dados de saúde atualizados. Isso inclui até fezes coletadas por um tipo de latrina “inteligente” que coletará as amostras de cocô para análise do microbioma e outras variáveis. Tudo isso será interligado aos dados fornecidos pelos inúmeros equipamentos que as pessoas usarão constantemente para monitorar pressão arterial, batimentos cardíacos, respiração e outras informações. Ao final, esses dados todos são analisados por algoritmos à luz do genoma da pessoa, o qual já foi devidamente decodificado por empresas especializadas em análise genética. Com todos esses dados, o algoritmo passará as orientações ao passivo cliente. Mas isso não será feito em uma conversa normal como os seres humanos têm feito há milênios: como a casa toda será automatizada por equipamentos do tipo Alexa, a própria geladeira definirá o que a pessoa deve ou não comer naquele dia. Se for necessário algum tipo de consultoria especializada, o algoritmo se encarrega de marcar as consultas que considerar necessárias, avisando o cliente sobre seus novos compromissos.
Parece fantasia, mas é mais real do que se imagina, pois o autor chega a dar informações sobre as empresas que já estão aptas a prestar cada um dos serviços citados. No topo da cadeia, comandando os algoritmos e as máquinas (e, por que não dizer, a imprensa, os políticos e os representantes dos serviços de saúde) estariam megacorporações como a Amazon e a Microsoft. É bastante simbólico que o texto não cite mais nenhuma vez a palavra “paciente” e não cite nem uma única vez a palavra “médico”. Mas isto é fácil de entender: toda essa parafernália só poderá existir se os médicos saírem de cena ou, o que é pior, se venderem seus serviços e sua alma a essas megacorporações.
Medicina sem médicos e sem pacientes simplesmente não existe. O que pode existir é um acordo comercial de venda equipamentos, serviços e medicamentos direto aos “clientes”, mas isso terá que receber outro nome. O papel da medicina é tratar as pessoas e reduzir seu sofrimento com os recursos disponíveis, sejam eles altamente tecnológicos ou mais antigos, como uma palavra de conforto ou uma escuta compassiva. Médicos e demais setores da saúde devem ficar atentos e se posicionar firmemente contra este avanço tecnológico-comercial sobre a sagrada relação de confiança entre médico e paciente.
Confortar uma pessoa doente é algo que só pode ser feito com um alto grau de empatia, algo que máquinas e algoritmos não têm. Afinal, como dizia Saramago, “as máquinas são de facto estúpidas”. Essas corporações parecem entender muito de tecnologias e de como ganhar dinheiro, mas pouco sabem sobre os processos que levam alguém a sentir-se doente e o sofrimento que isso acarreta.
O problema é quando as pessoas acreditam piamente nas grandes corporações e são viciadas em tecnologia. Além disso, com as duas pessoas mais ricas do mundo envolvidas na empreitada, será difícil evitar que o poder econômico distorça a percepção da sociedade e da própria medicina sobre o tema. Não é à toa que o texto termina sugerindo como será obtido esse controle sobre a medicina: “A melhor forma de prever o futuro é criá-lo!”.
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