A pandemia é um espetáculo

Talvez o aspecto mais inédito desta epidemia atual não seja o tipo de vírus, mas sim a questão de estarmos acompanhando tudo em tempo real. Um verdadeiro espetáculo: gráficos descontextualizados, bolinhas coloridas sobre os países no mapa, e números, muitos números. Isso tudo até o momento não trouxe nenhum conhecimento comprovadamente útil.

Temos uma nova polarização: de um lado estão as pessoas que acompanham os noticiários na TV e as manchetes na internet, os quais mostram principalmente os casos graves da doença, fazendo com que o público fique naturalmente assustado. Para essas pessoas, tudo que estamos fazendo ainda é pouco. Do outro lado estão renomados cientistas que buscam obter dados científicos e objetivos sobre a epidemia a partir de estudos e fontes confiáveis para que se possa realmente conhecer melhor o problema. No último grupo há gente do calibre de John Ioannidis, Peter Goetzsche, Tom Jefferson e Carl Heneghan. Para essas pessoas, nossa reação tem sido exagerada.

Acredito que a maioria das pessoas em ambos os lados tem boas intenções. Assim como é difícil duvidar da capacidade dos cientistas supracitados, é também difícil não reconhecer que há mais gente chegando aos hospitais com doenças graves. Mas é que talvez todos tenham uma certa dose de razão, mas apenas com pontos de vista diferente.

Como a imensa maioria das pessoas não será testada para a detecção do vírus, nunca saberemos ao certo o tamanho da ameaça que enfrentamos. Assim como a letalidade na Itália é mostrada como sendo de cerca de 10% (seguramente uma estimativa errada, já que lá só são testados os casos muito graves, além das questões demográficas daquele país), há outras estimativas cientificamente embasadas de que a letalidade real do vírus seja de 0,5% ou ainda bem menor que isso. Convenhamos que é bastante diferente lutar com um inimigo que mata 10% das vítimas e com outro que mata menos de 0,5%. Isso daria “razão” para os dois lados: a epidemia realmente pode ameaçar o sistema de saúde e tirar muitas vidas, mas isso não se deve tanto à sua letalidade em nível individual e, sim, ao seu grau de disseminação, o qual certamente é muitíssimo maior que os números atualmente apresentados.

O que fazer então? Combater a epidemia sem pânico. Manter o isolamento social pelo tempo necessário e respeitando a realidade de cada lugar, já que a pandemia atinge o país de maneira heterogênea. Manter as regras de higiene das mãos e etiqueta respiratória. Usar máscaras caseiras de forma mais disseminada. Informar-se apenas em fontes confiáveis. Programar a saída gradual do lockdown, lembrando que um pequeno aumento de casos é esperado quando as pessoas voltarem a conviver na comunidade e que isso não necessariamente indica fracasso da estratégia. A vida não voltará imediatamente ao normal. É importante pensar nisso: quando vamos voltar para a escola ou empresa? Usaremos máscaras por um tempo? Álcool gel e monitoramento de sintomas nas escolas e empresas?

É certo que haverá novas epidemias ou, mesmo, pandemias. Talvez até por outros coronavírus. Daí a importância de aumentar o controle de possíveis focos em mercados de animais e laboratórios de virologia antes de alcançarem a população. Dessa ameaça não podemos nos livrar. Também é certo que a informação de qualidade é fundamental. Mas é ainda mais verdade que o excesso de informações de qualidade duvidosa faz mais mal do que bem, ao aumentar o pânico e confundir em vez de esclarecer. Se não for possível nos livrar de outras epidemias, que pelo menos nos livremos dessa maldita espetacularização!