Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
— Respire.
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— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não.
A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
Manuel Bandeira
O poema Pneumotórax é um dos mais conhecidos de Manuel Bandeira, em parte por seu caráter autobiográfico. Sabe-se que o poeta foi diagnosticado muito cedo como tuberculoso e que, apesar do diagnóstico e prognóstico firmados pelo médico, viveu ainda por muitas décadas. O que teria sido uma sentença de morte acabou moldando toda a sua vida, levando ele mesmo a se considerar um “tísico profissional”.
A tuberculose era uma doença geralmente fatal na época do diagnóstico do poeta, já que os tratamentos medicamentosos para a doença ainda não existiam. A única solução considerada razoável em alguns casos era a realização de um pneumotórax terapêutico, o que chega a ser proposto pelo paciente, mas acaba sendo rechaçado pelo médico. O mais interessante do poema é o seu desfecho: para alguém portador de uma doença fatal e sem possibilidades terapêuticas, a qual certamente deveria abreviar toda uma “vida que poderia ter sido e que não foi”, o médico propõe como única alternativa “tocar um tango argentino”.
Há dois aspectos importantes nesta poesia. Em primeiro lugar está a franqueza com que o médico estabelece um prognóstico. Sabemos que o ato de “desenganar” um paciente é uma das tarefas mais desagradáveis da medicina, mas enganá-lo é certamente bem pior. Toda pessoa que esteja disposta a saber a verdade sobre o seu problema de saúde deve receber as informações corretas e da maneira mais compassiva possível. O segundo aspecto é o tango argentino: o caráter dramático do tango se mistura ao drama do paciente, e acaba por simbolizar – talvez de maneira otimista – a possibilidade de aproveitar da melhor maneira possível a vida que ainda resta, algo que o poeta Manuel Bandeira soube fazer tão bem que acabou milagrosamente curado.
