Naquele bairro havia duas casas bem diferentes. Na casa azul chegava-se por uma escada íngreme até a porta de entrada. Seu interior era bem decorado, embora não houvesse muita luz natural. É que a casa ficava entre alguns prédios altos, de modo que as horas de sol eram escassas. Também isso afetava um pouco a ventilação, o que era facilmente percebido pelas manchas de bolor em alguns cantos. A rua em frente à casa era uma avenida larga, por onde carros e ônibus se misturavam durante o dia e até boa parte da noite. A casa amarela tinha uma fachada mais simples, mas a luz invadia a casa por janelas de todo lado, o que a deixava iluminada e bem ventilada. A casa ficava em uma rua arborizada e sem trânsito pesado que acabava logo ali em uma praça encantadora. E o que mais havia por aquelas calçadas amplas sob as árvores eram pessoas caminhando, conversando e visitando os cafés e comércios do bairro. Dali se poderia caminhar com prazer e sem nenhum esforço até o trabalho.
Não costumamos dar a atenção suficiente para o lugar que escolhemos para morar, menos ainda para o local onde moram as pessoas que adoecem e procuram ajuda médica. O médico observador e que tem a oportunidade de fazer visitas domiciliares já sabe que conhecer a casa onde mora o paciente pode mudar bastante a maneira como encaramos seus problemas de saúde. Ficamos conhecendo aspectos de sua vida diária que jamais conheceríamos através da conversa no consultório. Em outros tempos, conhecer a casa do paciente fazia parte da anamnese de qualquer médico. Já nos antigos textos bíblicos é possível ver a importância dada à moradia das pessoas: em algumas passagens é relatado como, além de tratar a pessoa adoecida, tratava-se a casa para propiciar uma cura mais completa e definitiva. Mais adiante, o grego Hipócrates falava em seu Corpus hippocraticum sobre a importância de conhecer “as águas, os ares e os lugares”, pois sabia da importância desses fatores na gênese de muitas doenças e também na manutenção da boa saúde. Além disso, Hipócrates reforçava a importância de que o médico conhecesse o clima do local e as variações causadas pelas estações do ano, pois sabia que a pessoa não vive separada de seu ambiente. Porém, em muitos lugares as visitas domiciliares de um médico de família estão em processo de extinção.

A verdade é que atualmente não sentimos com a mesma intensidade a presença e influência do ambiente em nossa vida e sobre a nossa saúde. Em nossas selvas de concreto, vivemos em casas e apartamentos que parecem nos apartar do ambiente, mas isso pode ser apenas uma impressão. Acabamos lembrando que fazemos parte de um organismo maior chamado natureza quando a chuva invade a casa por algumas goteiras ou quando notamos formigas na cozinha sem imaginarmos de onde possam ter vindo. Apesar de todo o asfalto que deitamos sobre a terra, aqui e ali surgem árvores insistindo em sobreviver, da mesma forma que nossos muros de concreto não impedem que “os ares” do ambiente nos influenciem de alguma forma. A verdade é que seguimos em maior ou menor grau suscetíveis a fatores ambientais como variações climáticas, orientação solar e qualidade do ar do local onde moramos. Existe ainda o ponto de vista social: a presença de uma boa vizinhança, ruas adequadas para um passeio a pé e a proximidade de áreas verdes pode fazer muita diferença em nossa vida e saúde.
Além disso, há muitas doenças que parecem estar relacionadas a essas características próprias do lugar que escolhemos para viver. Sabemos desde há muito tempo que as pessoas que moram em ambientes pouco ventilados ou com ar de má qualidade sofrem mais de doenças respiratórias crônicas. Sabemos que as pessoas que vivem próximas a grandes avenidas com tráfego intenso podem sofrer não apenas de doenças causadas pela má qualidade do ar, mas também de algumas doenças neurológicas e de insônia. Casas sem a iluminação natural do sol podem causar deficiência de vitamina D e todas as suas consequências, além de serem um prato cheio para um humor melancólico, já que o sol tem propriedades naturalmente antidepressivas.
Assim, conhecer de alguma forma o local de moradia dos pacientes pode ser muito importante. Existem mesmo situações em que mudar de endereço pode ser a prescrição mais sensata a ser feita pelo médico, como no caso de alguém que sofra de artrose em joelhos e more em um andar alto de um prédio sem elevador ou no caso de um asmático que more em uma casa excessivamente úmida e mal ventilada. Imaginar essas possibilidades apenas aumenta a nossa capacidade de ajudar as pessoas. Por isso é fundamental lembrarmos de todas essas relações entre o ambiente em que vivemos e a nossa saúde ao atendermos as pessoas e também ao escolhermos o lugar onde nós mesmos passaremos a maior parte de nossas vidas. Se existem casas que podem nos fazer adoecer, também existem aquelas que curam. Pensando nisso, eu escolheria a casa amarela.
