
O poeta Charles Bukowski passou uma parte de seus últimos meses de vida em hospitais, tratando de um tipo de leucemia. Porém, ele não era um moribundo qualquer, já que conseguia traduzir em palavras toda a angústia que costuma fazer parte dessa experiência. E fez poesia intensa com todas essas palavras.
Aqui[1] Bukowski fala da angústia de passar os dias aguardando por um final sem data certa. Ele fala do desespero de ver a própria vida se esvair quando já não se tem força para viver de forma minimamente digna, mas também não se tem uma perspectiva da morte iminente. Quantas pessoas passam por isso sem conseguir de alguma forma expressá-lo? Quanta gente vive seus últimos dias desejando ardentemente ser esmagada de repente por um trem carregado?
Como profissionais deveríamos todos ter a sensibilidade de perceber quando a luta pela vida deve cessar e dar lugar à busca de sentido e conforto. Quando já não podemos mais curar uma pessoa doente, devemos ao menos tentar reduzir seu sofrimento ou dar algum sentido a tudo isso.
Para quem sofre todo o processo na própria pele, a morte deveria ser mais fácil, já que a vida não pode mais sê-lo. Que nessas horas nunca esqueçamos de proporcionar o máximo de conforto físico e existencial. Que as pessoas sob nossos cuidados nunca sofram tanto a ponto de desejarem uma morte como essa.

[1] Um somatório: mais dias perdidos/dias inúteis/dias evaporados//mais dias desperdiçados/dias frustrados/dias surrados/mutilados//o problema é que/esses dias fazem parte de uma vida/a minha vida//fico aqui sentado/73 anos de idade/sabendo que fui grosseiramente enganado/palitando meus dentes/com um palito que se quebra//a morte deveria ser fácil/como quando um trem carregado/o atinge pelas costas/e você nem vê.