Cada coisa em seu lugar

Há que se ter muita coragem para encarar o tema da morte. E isso é verdadeiro tanto para a vida real como para a literatura e as outras artes. Ainda assim, há homens corajosos que a enfrentam, como os poetas, os artistas e os filósofos.

Manuel Bandeira era um desses valentes. Além disso, ele era um poeta. E dos melhores. E, como todo poeta, era um mestre da síntese capaz de colocar em poucos versos o que faria um filósofo encher vários livros. Porém, diferentemente dos filósofos que escrevem de maneira linear, poetas escrevem de forma mais sinuosa, insistindo em saltar linhas, combinar palavras e levar para bem longe a imaginação do leitor.

Bandeira encarou sua própria mortalidade muito cedo. Tísico convicto, conviveu com a doença desde garoto. Talvez por isso mesmo tenha aprendido a conviver de maneira harmoniosa com a indesejada das gentes. Amante da vida, enganou a morte durante toda a sua existência. Flertava com a morte exatamente porque amava a vida.

Entre as lindas ideias escondidas neste que é um de seus mais famosos poemas estão a de que a morte é para todos inevitável e imprevisível (“dura ou caroável”), de que a morte é mais facilmente aceita e menos sofrida para quem tenha tido uma boa vida (“meu dia foi bom, pode a noite descer”) e que a morte encerra um ciclo, mas que a vida continuará de alguma forma com nossos filhos a partir de nosso exemplo (“o campo lavrado e a mesa posta”).

Reconhecer a própria finitude pode ser o primeiro passo para celebrar a vida e vivê-la mais intensamente!