Nossa relação com o tempo é bem estranha. Passamos a vida correndo atrás dele, quando na verdade ele sempre esteve bem ali. Nunca saímos do tempo. Aliás, só existimos por ele existir. Só existimos n’ele. Ainda assim, insistimos em ganhar mais tempo ou pelo menos em não perder tempo, como se isso fosse realmente possível. Também é interessante observar como até mesmo a linguagem que usamos para nos referirmos ao tempo é uma linguagem pouco poética emprestada do jargão empresarial. Falamos em economizar o tempo, em não desperdiçá-lo ou mesmo em administrá-lo, mas nada pode estar mais longe da realidade.


Falar em administrar o tempo é como pedir a um pintor que “administre” a sua tela. As telas estão todas por ali, com suas formas e tamanhos variados, restando ao pintor apenas tentar fazer com que cada pincelada sua seja certeira, deixando na tela as marcas de sua arte. Também nós pincelamos o tempo – ou a vida – com nossas ações diárias, na tentativa de deixar uma bela impressão final em nossa obra. E somos nós que decidimos a forma como vamos pincelar essa tela do tempo. Há quem a pincele de maneira metódica e obsessiva como um Mondrian e há quem prefira jogar a tinta na tela sem nenhum cuidado, como um Pollock enlouquecido. Entre os dois extremos há quem prefira agir com alguma ordem, mas admitindo espaço para a espontaneidade e os acasos da vida. E existe ainda quem desafia a própria lógica e decide romper de vez com a continuidade do tempo.

Algumas pessoas chegam até mesmo a sugerir que tempo é dinheiro, o que é uma grande bobagem que acaba aviltando a importância do tempo. A única relação entre tempo e dinheiro que nos vale a pena pensar é que tudo aquilo que consumimos na vida e que nos custa dinheiro, na verdade é pago com o nosso tempo finito. Gastamos tempo trabalhando para obter dinheiro a fim de gastá-lo em coisas muitas vezes inúteis e supérfluas. Isso deveria nos fazer refletir sobre as coisas que consumimos e sobre o que isso significa em termos de tempo. A triste verdade é que nós é que somos consumidos.
Existe até mesmo uma expressão famosa que sugere que o tempo fuja – tempus fugit –, mas também isso não é verdade. O tempo não foge. Ele está sempre ali, mas na correria do dia a dia nem o enxergamos por trás de nossos inúmeros afazeres mundanos. É como se enchêssemos tanto a tela do tempo com coisas por fazer que não sobra uma fresta para enxergarmos o tempo. Não damos espaço para o tempo aparecer e não deixamos a vida respirar. Na correria enlouquecida dos tempos atuais, a única maneira de perceber o tempo é quando desaceleramos e abrimos de verdade as janelas da alma.

Há quem tenha uma relação ainda pior com o tempo e fale até mesmo em matá-lo, mas isso seria uma loucura. Matando o tempo, matamos a nós mesmos. Deveríamos, em vez disso, mudar a nossa relação com o tempo e tratá-lo com a reverência merecida. Poderíamos aqui parafrasear o velho Nietzsche e falar em um amor temporis. Sim, amar o tempo pela sua própria existência, seja ela longa ou breve para cada um de nós. Amar o pouco que nos cabe desse tempo. Fazer com que ele seja – como dizia o poeta – “infinito enquanto dure”. Amar cada minuto que passamos por aqui. Amar cada cantinho dessa tela que nos cabe pintar e que somente nós podemos fazê-lo. Amar o tempo que nos permitiu a vida. Amar o tempo que cura as feridas. Amar o tempo que traz a sabedoria e que nos pode ajudar a entendê-lo e a aceitar os seus limites. Um amigo querido, da Slow Medicine, diz que “tempo é presença”. Que mudemos a nossa forma de perceber e de lidar com o tempo e que saibamos todos estar de fato presentes em cada instante de nossas vidas. E que cada um possa fazer de sua tela uma verdadeira obra-prima!
