A obesidade é uma doença. Essa afirmação pode parecer estranha para muita gente, uma vez que ninguém morre diretamente apenas por ser gordo demais. Morre-se em consequência das complicações causadas pela obesidade ou por doenças que surgem mais frequentemente em pessoas obesas, como doenças cardiovasculares, diabetes ou câncer. Neste sentido, não seria errado imaginar a obesidade como um fator de risco – ainda que cada vez mais prevalente – para doenças ou para mortalidade precoce.
A obesidade é uma doença. Pelo menos ela está citada na Classificação Internacional de Doenças (CID) há muitas décadas. Já na década de 1960, a oitava revisão da CID (CID-8) trazia a obesidade listada como uma de suas doenças (código 277 [Obesidade não especificada como de causa endócrina]). Supõe-se que, se algo está citado em uma classificação de doenças, é porque aquilo deve ser uma doença ou pelo menos um problema de saúde significativo, não importando se chamamos de “doença”, “condição”, “distúrbio” ou “transtorno”.
“A obesidade é uma doença!”. Esta afirmação começa a ser vista de maneira cada vez mais frequente na mídia e nas redes sociais. Considerando que a obesidade seja uma velha conhecida da humanidade e conste na CID há tantas décadas, é estranho que de uma hora para outra exista uma enxurrada de artigos e postagens nas redes sociais (re)afirmando que a obesidade é uma doença. É bem possível que essa movimentação toda esteja relacionada ao lançamento de novos (e caríssimos!) medicamentos para o tratamento da obesidade. Convenhamos que é bem mais fácil criar a demanda para um tratamento medicamentoso se o problema em questão for considerado uma “doença” e não apenas uma consequência funesta de nosso estilo de vida moderno.

“A obesidade é uma doença!” é também um excelente exemplo do chamado “marketing da doença”. Esta é uma forma de marketing onde, em vez de se fazer uma propaganda direta dos medicamentos (o que pode ser proibido pela legislação de alguns locais ou simplesmente ser constrangedor demais para os profissionais e empresas que desejam lucrar com a prescrição e venda de medicamentos), se utiliza a estratégia de aumentar a percepção da doença para a qual aquele medicamento será prescrito. Nada melhor para expandir um mercado potencial de um produto farmacêutico do que aumentar a percepção da condição a ser tratada e dar a entender que um problema antigo e de difícil resolução pode ser eliminado com o uso de drogas mágicas (e caríssimas!). De uma hora para outra, criamos nas pessoas a esperança de que a obesidade é uma doença que pode ser eliminada simplesmente com o uso de medicamentos.
A obesidade é uma doença? Sim, sem dúvida. Mas fundamentalmente uma doença da sociedade moderna! Nunca fomos tão sedentários como hoje e nunca nos alimentamos tão mal. Também é verdade que nunca ficamos tanto tempo parados em frente a telas de TV, computadores e smartphones. Além disso, ao optarmos pelas caríssimas “canetas milagrosas” em vez de adotarmos vidas mais saudáveis e realizarmos as transformações necessárias na sociedade, o que inclui a redução de desigualdades sociais que amplificam o problema, o triste resultado é que daqui a 10 anos teremos transferido muitos bilhões de dólares para as burras da indústria e seguiremos ainda mais obesos (e também mais doentes, tristes e pobres!). Da mesma maneira como as taxas de diabéticos na sociedade batem recorde a cada ano apesar do surgimento de bons medicamentos para o diabetes nas últimas décadas, os índices de obesidade só irão aumentar enquanto tratarmos o problema apenas em nível individual, iludidos pelo canto da sereia da indústria farmacêutica amplificado pela mídia. Ao desviarmos o foco das causas básicas e gastarmos em remédios caríssimos os recursos que seriam mais bem empregados em programas de saúde pública, é bem possível que medicamentos efetivos em estudos controlados tenham efeito paradoxalmente prejudicial na vida real em termos de sociedade como um todo.
Na verdade, pouco importa essa discussão sobre se a obesidade é uma doença ou não. O que deveria importar a todos nós é que a obesidade é um problema de saúde pública complexo que alcança todas as idades em níveis alarmantes e crescentes, o que não pode ser explicado por nenhuma mudança evolutiva recente na fisiologia intrínseca do ser humano, sendo basicamente um problema causado pelo ambiente artificial e altamente tecnológico que criamos. Moléculas, vias e receptores não são “a causa” da obesidade, e sim a forma como nossos organismos se adaptam ao ambiente doentio e obesogênico em que vivemos. Bloqueá-los ou modulá-los jamais será a solução para o problema da obesidade e nem mesmo conhecemos o perfil de benefícios/danos dessas drogas em longo prazo. Isso não significa que devemos deixar as pessoas obesas sem esperança de tratamento na atualidade, mas sim que deveríamos recalibrar para baixo as nossas expectativas de sucesso e que o tratamento de um problema eminentemente social com drogas (caríssimas!) em nível individual jamais vai resolver o problema da obesidade na sociedade em longo prazo, embora agrade a todos aqueles que de alguma forma lucram com todo esse hype.
