Recentemente, o famigerado ChatGPT ficou louco. Os noticiários contam que ele simplesmente começou a escrever bobagens e rapidamente evoluiu para um quadro de tartamudez esquizofreniforme. O enlouquecimento do ChatGPT já era algo mais que esperado. Uma máquina que se alimenta de toda a insanidade que os seres humanos despejam na internet diariamente só poderia acabar assim. Aliás, o que diferencia a nós, seres humanos, dessas máquinas estúpidas é exatamente a nossa capacidade de esquecer ou de simplesmente evitar qualquer tipo de contato com a estupidez que assola alguns rincões da internet.
É evidente que seres humanos também ficam doidos, e cada vez com mais frequência. Mas quando o fazem, este costuma ser um processo relativamente lento e gradual. E há sempre um familiar, amigo ou profissional de saúde disposto a dizer, de maneira mais ou menos sutil, que perdemos as estribeiras e devemos sair de cena por um tempo ou para sempre. Até mesmo os médicos enlouquecem de vez em quando. Infelizmente, todo o conhecimento e a prática acumulados ao longo de uma vida profissional não nos deixam imunes a doença alguma, muito menos à loucura. Um médico louco é um perigo para seus pacientes. Porém, como seus pacientes costumam ser relativamente poucos e são atendidos de maneira gradual, o impacto negativo dessa loucura é reduzido, uma vez que os próprios pacientes acabam de afastando.

Com o ChatGPT a coisa é bem diferente. Ele é visto atualmente como um tipo de divindade onipresente e onisciente ou, pelo menos, como um oráculo a ser consultado para todo tipo de assunto. Há quem consulte o ChatGPT para escrever um texto qualquer, há quem o faça para aprender a dançar rumba e existe ainda quem não prescinda dele para resumir todo o conhecimento em determinada área das ciências. Para meu pavor, até mesmo os próprios professores estão sendo orientados a deixar que o ChatGPT prepare aulas e crie as questões das provas, o que tornaria em pouco tempo absolutamente supérflua essa classe profissional tão fundamental para a humanidade. Se Gunther Anders falava sobre o problema de o homem se tornar obsoleto, é preciso lembrar que o ser humano é o único animal que cria voluntariamente sua própria obsolescência. E parece se orgulhar disso.
Entre tantos outros profissionais, os médicos também estão sendo ensinados a delegar ao ChatGPT aspectos fundamentais de seu trabalho que vão desde o atendimento de pessoas doentes até a pesquisa científica e a redação de artigos. Além disso, há quem defenda que o ChatGPT revise a literatura médica e assuma um papel de protagonismo na tomada de decisões. Existe até mesmo aqueles que preconizam que o ChatGPT escute tudo que conversamos com os pacientes em consultas que deveriam ser sigilosas e anote os detalhes no prontuário eletrônico dos pacientes. Isso sem falar do ChatGPT embutido em assistentes virtuais do tipo Alexa que estarão presentes na casa das pessoas fazendo diagnósticos e definindo tratamentos. Ou seja, logo dependeremos das máquinas para realizar e registrar as consultas, solicitar exames, interpretar as imagens, estabelecer o diagnóstico e definir condutas. Em breve seremos também nós, médicos, absolutamente prescindíveis. E tudo em nome da velocidade, do lucro e de um louvor à tecnologia que nos foi incutido desde cedo.
O que nos custa perceber é que professores que delegam a elaboração de aulas e de provas para as máquinas logo estarão incapacitados de fazê-lo pela gradual perda de proficiência. Serão como mestres que perderam a maestria. O mesmo acontecerá com os profissionais de saúde que delegarem – ou forem obrigados a fazê-lo – todas as etapas dos cuidados a essa tecnologia tão potente quanto estupidamente desumana. E, diferentemente de um enlouquecimento individual, o qual, embora seja trágico para quem perde as estribeiras, tem pouco impacto sobre a humanidade como um todo, o enlouquecimento de uma tecnologia tão potente e pervasiva como o ChatGPT pode ter o impacto de uma bomba atômica na sociedade, a menos que mudemos os rumos da humanidade e tenhamos um tanto mais de parcimônia em sua adoção mais ampla.
Uma ferramenta como o ChatGPT não é intrinsecamente boa nem ruim, tudo depende da utilidade que damos a ela. Se a usarmos com a devida parcimônia para potencializar as qualidades das pessoas, ela pode ser muito bem-vinda. Por outro lado, se a usarmos para gradualmente incapacitar e substituir professores, médicos e outros profissionais, então ela será uma ferramenta terrível. Marshall McLuhan nem podia imaginar o surgimento de algo como o ChatGPT quando nos lembrou que as tecnologias não são neutras, e que elas impactam a sociedade de maneiras nem sempre previsíveis. Isso pode significar que os profissionais do futuro sejam incapazes de, por exemplo, preparar uma aula ou cuidar de alguém que sofre.
Os engenheiros afirmam ter resolvido o problema que levou à loucura o ChatGPT, embora não tenham dado maiores detalhes. Isso não garante que a máquina esteja isenta de novos surtos de insanidade. Uma pessoa sensata diria que não deveríamos depender tanto assim de máquinas que podem de uma hora para a outra enlouquecer e causar um caos imediato em nível mundial. Uma pessoa minimamente sensata não delegaria às máquinas atividades essenciais para a humanidade como o ensino e os cuidados de saúde. No final das contas, não foi o ChatGPT que ficou maluco. Fomos todos nós que enlouquecemos.
