Para que serve a vida humana?

Mais vale uma vida feliz ou uma vida interessante e vivida intensamente? Esse é o ponto de partida de O sentido da vida, o último livro escrito em vida pelo psicanalista Contardo Calligaris. Em uma linguagem acessível, o autor conta sua própria experiência e utiliza ideias de outros pensadores para refletir sobre um tema do qual insistimos em fugir: a busca de um sentido para nossas vidas. Um dos méritos do livro é lembrar que o imperativo de felicidade tão em voga atualmente é em grande medida um construto da sociedade nem sempre acessível a todos. Afinal, a qualidade de nossa experiência de vida independe do tempo que passamos sorrindo. Felizmente, as criaturas humanas são bem mais complexas do que isso.

O livro é dividido em três partes: na primeira delas, o autor fala sobre a atual busca insana da felicidade e de como uma vida interessante e vivida intensamente – mesmo que inevitavelmente pontuada por momentos de tristeza e sofrimento – pode ser um objetivo ainda mais desejável. Na segunda, o assunto é o desejo de uma boa morte, e somos lembrados de que a preocupação excessiva com a morte nos pode distrair das pequenas alegrias diárias que fazem a vida valer a pena. Por outro lado, o atual imperativo de sobreviver a qualquer custo pode acabar nos levando a viver uma vida sem grandes riscos e, por isso mesmo, sem graça ou insípida. Na parte final, o autor conclui que o sentido da vida está na própria vida que escolhemos viver, da qual fazem parte os momentos de felicidade, mas também aqueles menos alegres que incluem a própria morte.

O livro reflete principalmente as ideias de vários pensadores existencialistas, os quais nos lembram de que, no final das contas, somos a cada dia os inventores de nossas vidas e sofremos por essa liberdade de poder criar a nossa própria história. Um desses pensadores, Viktor Frankl, nos lembra em seu clássico Em busca de sentido que podemos suportar qualquer sofrimento desde que consigamos atribuir algum sentido a ele, conselho este que nos poderia ser de grande auxílio ao enfrentarmos desafios diversos ao longo de nossas vidas. Dostoievski levou essa ideia um pouco adiante e afirmou que devemos não apenas suportar as agruras da vida, mas sermos dignos de nosso próprio sofrimento.

Para Sartre, nossa existência como seres humanos precederia a nossa essência, com isso nos fazendo lembrar que somos responsáveis por todas as escolhas que fazemos e pela pessoa que nos tornamos, responsabilidade essa que pode representar um fardo excessivo para alguns e uma eterna causa de sofrimento. Isso explica o porquê de muitas pessoas preferirem abdicar dessa responsabilidade que pode ser libertadora ou enlouquecedora, conforme nossos recursos para enfrentá-la. Já o Sísifo retratado por Camus simboliza nossa eterna jornada diária em busca de uma vida que nos faça algum sentido frente ao absurdo do mundo, para que recuperemos nosso fardo existencial a cada manhã e tenhamos forças para carregá-lo novamente montanha acima.

Para Miguel de Unamuno a filosofia não deveria ser algo puramente abstrato, mas sim servir ao homem de carne e osso para tornar menos penosa a nossa jornada. Isso nos ajudaria a conviver diariamente com o que o autor chamava de “o sentimento trágico da vida”, o reconhecimento de que sofrer e morrer fazem parte da vida tanto quanto aqueles momentos mais felizes que todos almejamos. De alguma forma os sofrimentos nos unem a todos e nos tornam mais humanos. Por sua vez, Kierkegaard nos fala da angústia existencial, aquela sensação que sinalizaria nosso pressentimento de liberdade ou a “possibilidade de uma possibilidade”. Tal angústia também se refere à responsabilidade por nossas próprias vidas e decisões diárias, a possibilidade de fazermos algo significativo – ou não – de nossas vidas. Tal sensação ambígua que ao mesmo tempo nos repele e atrai era comparada por Kierkegaard à atração fatal que os abismos sempre exerceram sobre os homens.

Como não poderia deixar de ser, Calligaris ainda explora algumas ideias de filósofos mais antigos como Sócrates e Sêneca, os quais tiveram vidas e mortes exemplares. O estoico Sêneca já tratava de muitas dessas ideias há quase dois mil anos, em especial da importância de vivermos uma vida plena para que possamos experimentar uma morte tranquila e da suposta brevidade da vida. Para Sêneca, a vida em si não é breve, mas desperdiçamos uma grande parte dela em atividades fúteis que em nada nos acrescentam ao espírito e à própria humanidade. Para piorar, a vida moderna, com suas tecnologias e superficialidades, conspira para que nossa existência pareça ainda mais breve.

Enfim, o livro de Calligaris é uma bela reflexão sobre a vida e a morte. Além disso, trata-se de uma boa introdução para quem queira se perder – ou se encontrar – em meio às reflexões estoicas e existencialistas sobre um eventual sentido para a vida humana. No final das contas, o sentido da vida é a própria vida que vivemos, a qual pode ser mais ou menos feliz, mas da qual o sofrer e o morrer são sempre partes fundamentais. Quanto ao questionamento que inicia o texto, o leitor tem toda a liberdade de decidir por si mesmo o melhor caminho a trilhar. E essa é uma responsabilidade e tanto da qual não podemos abrir mão!